sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Lucila vai a Cuba

por Herberth Brasil
Lucila desembarca em Havana no final da tarde de uma sexta-feira. A convite da blogueira Toani Tánchez veio conhecer o primeiro país “livre” das américas. No saguão do aeroporto José Martí, Toani à espera com uma placa, onde se lê: “Bien venido a Cuba, Lucila”. As duas se abraçam. Não acreditam no encontro. Se conheceram pela internet. Toani tinha vontade de conhecer o Brasil, mas não havia conseguido o visto. A solução foi Lucila arrumar as malas.
No táxi, a caminho da casa da cubana, conversam. Ambas tem curiosidade em saber um pouco mais do país de cada uma.
— Como são as favelas daqui?
Arriscando o português, Toani disse:
— Não existe isso em meu país. Depois da revolução de 1959, os problemas de habitação diminuíram. Só a liberdade de imprensa que continua piorando.
— Mas por quê?
— O barbudo e seu hermano não admitem que o seu governo seja criticado pelos próprios cubanos.
— No Brasil é diferente. Nos podemos criticar o governo e até sair às ruas para protestar, mas não há muita participação popular. Os jovens não estão nem aí. Jornal lá é que não falta. Porém, poucos são dignos de serem lidos.
Toani aponta para uma escola e fala:
— Está vendo? É uma escola agrícola. Os estudantes ficam nas salas de aula meio período e o resto do dia trabalham com a terra. Cana-de-açúcar é o que não falta. Como são as escolas do seu país?
— Nem me fala. Lá, aluno bate em professor; fogem da escola.
A casa de Toani fica na vila da Repressão. Lugar de gente humilde, mas muito sorridente. Logo Toani apresenta a vizinha. Dona Raúa tem setenta anos. Carrega no rosto as marcas de uma vida inteira de trabalho. As duas são apresentadas.
— Dona Raúa essa aqui é a minha amiga brasileira.
Raúa dá uma bela tragada no Charuto e diz:
— Oi. Seja bem-vinda.
Espantada com o ótimo português daquela senhora, responde:
— Muito obriga. Como a senhora aprendeu o português?
— Na Sierra ficava escutando as músicas de Roberto Carlso, enquanto cozinhava para os guerrilheiros.
Raúa chama Toani de canto. Cochicha bem baixinho:
— Gente do partidão veio perguntar se você anda escrevendo muito?
— O que a senhora disse?
— Que você deixou de escrever porque está sem a tal da internet?
— Boa! Dona Raúa. Deixe que eles pensem isso.

As 22h da noite, Lucila pede para a amiga ligar a TV. Procura um canal interessente. Pára em um jogo de beisebol. Taoni fala:
— É nosso esporte favorito.
— Mas o meu não. Não tem nenhum joguinho de futebol.
— Esse horário nem pensar. São as finais do campeonato amador. Até o fim da semana é só beisebol.
— Vem. Vou te mostrar o texto que estou escrevendo para o blog.
Toani pede que a amiga leia o texto. Sentada no velho computador, Lucila reclama:
— Você só fala de política?
— Claro. Não existe outra pauta, senão falar do governo.
— Me mostre o seu blog.
— Não tem jeito. Pelo menos aqui.
— Então, como você faz para postar o que escreve se não tem internet?
— Segredo. E nem adianta insistir. Não conto.
No dia seguinte, Toani leva a amiga para experimeintar a comida cubana. No restaurante pedem uma porção de chicharrones, uma espécie de torresmo. Lucila tem pressa em conhecer o país. O garçom trás a conta. Lucila oferece alguns pesos cubanos de gorjeta para o rapaz. Ele se recusa. Toani explica a ela.
— Não se preocupe. Aqui não precisa disso.
Lucila pede para a amiga levá-la a praia. As duas passeiam pelas areias brancas da ilha sem tirar o olhaos do mar do caribe.
— Pena que vai embora amanhã.
— Queria ficar, mas não posso.
— Espero você no Brasil algum dia.
— Se me permitirem...
É domingo. O avião de Lucila ganha altura. O azul celeste a faz pensar: Qual será o futuro de Cuba? A revolução já terminou?







quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Lucila quer ser modelo

Lucila aguarda o trem na estação Deus nos acuda. Quando os primeiros raios de sol rasgam o céu, revelam uma mulher muito magra e de pele branca. Carrega embaixo dos braços um currículo amassado. Está à procura de emprego. Já foi empregada doméstica, babá, garçonete e frentista. Agora, almeja ser modelo. A vaidade lhe escapa por completo. Tem unhas ruídas e manchas no rosto. Um dia vieram lhe falar que andava feito moça de passarela. Acreditou na conversa. Desde então, sai de casa bem cedo para ver se consegue algum desfile.
Uma fila de trabalhadores e desempregados está aposta na plataforma de embarque. É gente de todo tipo. Camelôs, estudantes e muitos desempregados. No meio da muldidão é possível identificar os que carregam sonhos e os que desistiram de sonhar. Quem carrega no rosto um ar de bravura continuam sonhando. Já os que andam de cabeça baixa, os deixaram escapar.
Lúcila sempre está de queixo levantado. É a primeira a avistar o trem. Os olhos de mel tem força e destroem muros. Prestes a embarcar disputa um espaço na porta do vagão. A porteira se abre. O empurra-empurra é grande. Não são animais que entram na locomotiva. São homens e mulheres que trocam braçadas para irem sentados durante a viagem ao centro de São Paulo. Lucila é lançada de um lado para o outro. Abusam da sua fragilidade. Tenta se equilibrar. Logo as cadeiras são ocupadas rapidamente. Sem alternativa, vai espremida, assim como ficam idosos e gestantes. Ninguém precisa segurar na barras de ferro. Se apoiom uns nos outros, formando escoras humanas.
Vendedores ambulantes sacam de suas bolsas cestas de doces. Logo, começam a fazer a sua propaganda: “Chocolate, bala, amendoim”. Na estação lata de sardinha, mais passageiros embarcam no trem. Lucíla começa a sentir um mal-estar. Respira com dificuldade. Na hora do desembarque, pede licença para as pessoas. Ninguém lhe dá ouvidos. Tenta furar o bloqueio humano a todo custo. É esmagada antre as costas dos passageiros. Desembarca no Brás. Procura se recompor. O suor escorre pela testa. Na rua Corre da Polícia, Lucila parece estar perdida. Olha as placas e fica na dúvida se deve entrar na avenida dos Mendigos ou na avenida da Fome. Lucila para em um bar. Pede meio dedo de café e um pão na chapa. Come com vontade. Paga a refeição com várias moedas de cinco misérias. Pára em uma banca de jornais e pede informações. Chega na Anorexia Models. Está contente. Faz um cadastro na recepção.
Dá em dinheiro cem misérias. Fica aguardando ser chamada para o teste de passarela. Está anciosa. Outras mulheres chegam. Uma delas senta ao seu lado e pergunta:
— Pronta para o sucesso?
— Acho que sim. E você?
— Meu bem, eu nasci pra ser estrela. Chega de esfregar chão!
— Eu também quero sair dessa vida.
— Como se chama?
— Lucila da Desgraça e você?
— Esmeraldo da Cruficicação.
— Vou ganhar muito dinheiro, Lucila.
— Tomará. Nós duas vamos ganhar bastante grana.
A recepcionista chama Lucila para o teste. Três velhas cafonas estão sentadas lado a lado em uma sala mal pintada e cheia de infiltrações. Uma velhota diz:
— Vamos lá minha filha. Mostre que sabe desfilar.
— Claro que mostro.
Lucila caminha toda torda. As pernas se cruzam feito bambú soprado pelo vento. O salto faz muito barulho na passarela de madeira. Da meia volta sem esbanjar charme. Outra velhota a interrompe:
— Tá bom minha filha. Já chega. Aguarde lá fora alguns minutos
Chamam Lucila e dizem que ela só serve para desfilar em quarto de motel. Ela não entende e pergunta:
— Como assim?
A terceira velhona responde:
— Temos trabalho para você na Augusta. Topa?
— Topo nada. Não sou mulher da vida. Quero desfilar feito modelo da “Escória Chícrete”.
As velhonas caem na gargalhada. Lucila cai em prantos. Sai em disparada. Pede o dinheiro de volta. Fica sem. Lucila chega tarde da noite em casa. Está com os pés doloridos. Liga a TV. Assisti no canal pouco ibope a um desfile. Não demora muito e adormece no sofá.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Assessor faz cera

Assessor de imprensa finge que trabalha. Os caras quando não querem atender um jornalista dizem que estão em uma reunião, no horário de almoço ou mascando chiclete Fazem corpo mole. Inventam e reiventam histórias. Adiam uma, duaz e até três vezes a mesma entrevista. A maioria deles são formados em relações públicas e aprendem direitinho na universidade a enrolar os repórteres. Para demonstrar serviço, pegam um cliente e ficam com ele o dia todo. Quando dão uma de solidários, mandam um release meia-boca e tá tudo certo. Na hora que um repórter liga deseperado pedindo uma informação eles o tratam assim:
— Alô! Alô! Tem alguém aí
— O que é agora?
— Sou do jornal e preciso que vocês me confirmem uns dados. É possível?
— Depende.
— Depende do que?
— De qual jornal você é. É conhecido ou pé de chinelo?
— É do bairro.
— Tchau.
— Alô! Alô
Assessor só fala com peixe grande. No momento de pegar no batente e evitar a fadiga, se limitam a falar como veículo de maior alcance da cidade. Sabem de cor o número e nome do chapa do jornal de maior prestígio. As publicações menores acabam ficando menores ainda, poque a notícia que iam sair não pode ser concluída por falta de informação. O coitado do estagiário do pequeno jornal é quem leva a pior com o chefe: — Pó! Você é um incopetente.
— Mas, chefe foi assessora quem não quis falar comigo.
— Por que?
— É que o jornal é pé de chinelo
— Tá demitido.
— E o meu sálario. Estou aqui há um mês.
— Nem eu que sou o dono tenho salário direito.
Assessor consegue botar muito pai de família na sarjeta. Tudo porque não quis dar uma mísera informação. Não querem suar a camisa. O que querem é apenas participar dos coquetéis de lançamento de novas públicações.